sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Yoga para crianças especiais e fonoaudiologia

Por Renata Sumar Gaertner


Quando escolhi a fonoaudiologia como profissão, o fiz porque sentia que com este trabalho completaria o que já vinha desenvolvendo dentro do yoga com bebês e crianças (especiais e normais). No momento que ingressei na faculdade, percebi que o curso era exatamente o que eu estava buscando – havia um GAP na área de fala e linguagem dentro do trabalho que desenvolvia a cada aula de yoga, e que foi conquistado através do curso de fonoaudiologia. Eu me senti mais confiante no trabalho com as crianças, percebendo que possuía as ferramentas necessárias em todas as áreas de desenvolvimento para estimulá-los. Entretanto, isto ficou ainda mais claro quando eu comecei a estagiar na Clínica-escola da faculdade. Foi neste momento que comecei a perceber o quanto o Yoga me ajudaria dentro da fonoaudiologia.
A primeira coisa que percebi foi que os meus clientes de fono que também praticavam yoga em nossa escola, eram mais centrados e se concentravam com maior facilidade na atividade sugerida do que os meus clientes da clínica. Mais importante ainda, havia uma significante diferença na maneira que eles respiravam. Eu não dei muita importância para isso no início, mais agora (10 anos depois) tenho certeza que o Yoga tem imenso valor como terapia adjunta de minha outra profissão. Vários estudos me provaram que yoga e fonoaudiologia podem trabalhar de mãos juntas na reabilitação de crianças especiais, facilitando o desenvolvimento motor, cognitivo, social e de fala e linguagem da criança.
Então, qual seria a ponte entre o yoga e a fonoaudiologia? A respiração! Do ponto de vista yogi, respiração é prana ou energia vital. As forças do movimento, calor, integridade estrutural e mesmo da consciência são todas manifestações do prana. Sem este energia vital, nossos corpos iriam simplesmente retornar aos elementos pelos quais foram originalmente compostos. O Yoga nos ensina a controlar o fluxo de prana dentro do corpo. Através da prática de pranayama (exercícios respiratórios do yoga) e respiração abdominal profunda, o aluno é capaz de aumentar a quantidade de oxigênio/prana inalado e de utilizar esta energia para construir um sistema imunológico mais forte e superar várias doenças físicas.
A forma que respiramos tem um efeito profundo em nosso sistema nervoso. A maior parte das pessoas utilizam apenas 1/7 da capacidade total dos pulmões. Nossas células cerebrais requerem três vezes mais oxigênio do que outras células em nosso corpo. Quando reequilibramos a respiração e aumentamos a quantidade de oxigênio nas células cerebrais, ajudamos a fortalecer e revitalizar o sistemas nervoso somático e autônomo. Quando praticado com regularidade, o pranayama tem também um poderoso efeito estabilizador da mente e das emoções.
Do ponto de vista fonoaudiológico, vemos a respiração como a base da fala. Todas as palavras e sentenças em são produzidas durante a expiração. Ao final de cada sentença, é necessário que voltemos a inspirar rapidamente, e seguir falando a próxima sentença. Uma vez que a maioria das sentenças duram algo em cerca de 2 a 15 segundos, a dinâmica da respiração requer um controle suficiente da mesma para que você tenha tempo suficiente para completar a sua sentença e não ficar sem ar.
Na maioria dos casos, a respiração do bebê é acelerada (40 a 45 vezes por minuto), variando consideravelmente freqüência, amplitude e ritmo. Durante o primeiro ano de vida, a medida que a respiração vai se tornando mais regulada e lenta (25 a 35 vezes por minuto), o bebê aprende a produzir uma infinidade de sons que depois serão agrupados de maneira coerente a formas palavras. As crianças, entretanto, não seguem um mesmo padrão de desenvolvimento. Uma criança portadora de paralisia cerebral ou com alguma desordem motora mais severa, provavelmente vai respirar de maneira mais acelerada ou irregular mantendo o padrão que tinha quando ainda bebê. Este padrão pode muitas vezes durar por anos.
De uma forma em geral, a velocidade da respiração de uma criança depende do tipo de atividade que ela realiza. Como um exemplo, percebemos estas mudanças quando ela se senta, balança a cabeça ou movimenta os braços ou ombros. A respiração se move mais depressa para oxigenar o sangue, que irá nutrir as células dos músculos para que o movimento desejado seja realizado. Se os músculos do pescoço, tronco ou ombros, juntamente com a coluna vertebral não estão apropriadamente alinhados, o movimento necessitará de um esforço maior para ser realizado, resultando em maior esforço do diafragma e das costelas que não poderão se movimentar livremente.
O correto alinhamento do corpo propiciará a criança maior facilidade em respirar mais profundamente e com menos esforço. Por esta razão, nós não deveríamos nunca considerar o desenvolvimento apropriado de fala e linguagem como algo separado da nossa fisiologia. É melhor pensar nele como parte de um processo dinâmico que estabelece padrões saudáveis e previne os não saudáveis.
Durante a prática dos ásanas (posições), alongamos diferentes músculos do nosso corpo e isto ajuda a dissolver tensões e manter o alinhamento de tronco, quadris, pescoço, braços e pernas. Uma vez que todos os movimentos se originam na coluna e dela partem para as extremidades, podemos perceber que flexibilidade e alinhamento correto são a chave para melhor realizar qualquer atividade que envolva movimento, seja ela motora grossa ou mais refinada.
Em nossas aulas de yoga com crianças geralmente não utilizamos brinquedos ou “props”. Isto faz com que elas se concentrem mais na própria respiração, no movimento de grupos específicos de músculos e nas sensações em cada posição. Através de repetições verbais e toques quando necessário, nós encorajamos nossos alunos a desenvolver consciência corporal, confiança e concentração.
A maior parte das crianças com desordens de desenvolvimento claramente entendem o conceito de linguagem e tentam se comunicar ainda pequenas. Para podermos dar a estas crianças oportunidades suficientes de desenvolvimento, devemos começar o trabalho o mais cedo possível – este é o princípio por trás da intervenção precoce.
Existem três tipos de tonicidade muscular que podem afetar a habilidade da criança em se comunicar:
1) hipotonia ( baixa tonicidade muscular)
2) hipertonia ( tensão excessiva muscular)
3) tonicidade muscular flutuante ( hora hipo ora hipertonia)
Crianças portadoras de Síndrome de Down têm hipotonia e isso faz com que normalmente tenham dificuldade em coordenar os movimentos de lábios, língua e mandíbula. Hipertrofia de adenóides e tonsilas palatinas juntamente com recorrência de alergias ou gripes aumentam a tendência já existente destas crianças em respirar pela boca, o que consequentemente pode afetar a inteligibilidade da articulação, fluência, seqüência e ressonância da fala. Estando atento a maneira com que a criança respira e na postura dela, o professor de yoga pode determinar quais serão os asanas apropriados para desenvolver a tonicidade correta da musculatura e alinhamento corporal, e quais exercícios respiratórios – pranayamas – que irão auxiliar no desenvolvimento de uma melhor respiração e encorajar a criança a respirar pelas narinas.
Crianças com paralisia cerebral geralmente tem limitadas as habilidades motoras e orais, devido a uma hipertonia ou flutuação de tonicidade muscular. A fala para acontecer, depende da coordenação de músculos que envolvem a respiração ( o diafragma ), fonação (pregas vocais), e articulação (lábios, língua e mandíbula). A prática de ásanas, seguida de relaxamento profundo (que é realizado ao final de cada prática de yoga em nossa escola), facilita o trabalho do fonoaudiólogo pois auxilia na normalização desta tonicidade muscular excessiva ou flutuante. Os pranayamas melhoram a respiração, pois “abrem” o peito e fortalecem o diafragma; eles também melhoram as funções dos nervos, que estão diretamente conectados a execução de atividades motoras.
Concluindo, a respiração correta é uma das chaves para correção ou melhora de desordens da comunicação. Os exercícios respiratórios do Yoga não apenas ensinam a respirar corretamente como beneficiam o praticante, pois oxigenam o sangue e fortalecem o sistema nervoso central. Os benefícios do yoga se estendem à pessoas de todas as idades, desde a vida intra-uterina (quando a mãe pratica yoga durante a gravidez) até a pessoa mais idosa, passando pelos bebês, crianças e adultos.
Adolescentes ou adultos, podem ter alguma desordem de fala ou voz simplesmente porque não sabem coordenar a respiração e fala. Nestes casos, utilizo em minha prática fonoaudiológica, técnicas respiratórias do yoga para ensiná-los a respirar corretamente e utilizarem melhor a capacidade pulmonar que possuem (normalmente as pessoas utilizam apenas 1/7 de nossa capacidade pulmonar). Uma vez que eles estão respirando mais profundamente e recebendo adequada quantidade de oxigênio, todos os sistemas funcionam de forma melhor. Daí é só coordenar isto à fala e conseguimos melhorar os resultados dentro da terapia fonoaudiológica.


Renata Sumar é professora de yoga em Belo Horizonte e Fonoaudióloga com Título de especialista na área de linguagem.